sexta-feira, 8 de março de 2013

Menos flores, mais direitos

Uma característica que parece ainda perseguir as sociedades humanas no Ocidente é a necessidade da rememoração de si a partir de datas históricas específicas, embaladas pelo medo do esquecimento. O retorno a um determinado evento do passado continua sendo um importante recurso político: ou de combate e enfrentamento a um presente indesejado, ...ou de legitimação de uma situação plenamente aceitável, uma vez que baseada na tradição, a qual pode ser real ou inventada.
Os chamados ‘marcos históricos’ tem um papel fundamental na construção da memória coletiva. Os eventos e as datas que constam nos calendários para serem rememorados não são escolhas aleatórias. Acima de tudo, são escolhas que ocorrem em meio às disputas políticas pela construção dessa memória coletiva e da ideia de um passado comum. As identidades nacionais, étnico-raciais, de gênero, etc., foram e continuam sendo forjadas nesse processo. (continua)


 Não raramente os usos das datas consideradas importantes mudam de significado no decorrer dos processos históricos. O caso do dia “8 de março” – Dia internacional da ‘Mulher’ - não é diferente. O Dia Internacional da Mulher foi proposto pela socialista alemã Clara Zetkin, em 1910 durante o II Congresso Internacional de Mulheres Socialistas, mas não havia em sua proposta uma data definida. Antes disso, nos Estados Unidos, no último domingo de fevereiro de 1908, já havia sido organizado o primeiro Dia da Mulher, com uma grande manifestação das operárias a favor do direito ao voto e a melhoria das condições de trabalho, tais como a redução da jornada, insalubridade, etc.
Em toda América Latina e nos Estados Unidos, já na segunda metade do séc. XIX, as mulheres participavam ativamente do movimento operário. Junto às crianças, elas se configuravam como um dos grupos mais explorados pelo sistema capitalista. Além dos baixos salários, ausência de quaisquer direitos trabalhistas e condições sub-humanas de trabalho, as operárias mulheres ainda precisavam suportar o nada raro assédio sexual, para poderem manter seus empregos.
A greve de 15 mil trabalhadores do vestuário, a maioria moças, deflagrada em novembro de 1909, nos EUA, provocou o fechamento de mais de 500 fábricas e durou cerca de treze semanas. Após a greve, as fábricas têxteis continuaram algumas as práticas de enfrentamento aos grupos de manifestantes: trabalhavam a portas fechadas durante o expediente e com os relógios cobertos. Além de descumprirem as promessas de redução da jornada de trabalho e aumento dos salários.
No prédio de uma das grandes empresas têxteis, a Triangle Shirtwaist Company (Companhia de Blusas Triângulo), no dia 25 de março de 1911, sábado, às 5 horas da tarde, e trabalhando a portas fechadas, morreram 146 pessoas vitimadas num grande incêndio. Destas, 124 eram mulheres e 21 eram homens. As vítimas tinham entre 13 e 23 anos de idade. Morreram ou asfixiadas, ou queimadas, ou mortas na tentativa desesperada de escapar do fogo, lançando-se do alto de um prédio de 10 andares. As portas, todas trancadas, impediram a saída de muitas mulheres. As fotografias e os testemunhos da tragédia, publicados nos jornais, causaram comoção geral, mesmo naqueles nada comovidos com o sofrimento e a luta cotidiana das operárias em vida.
Esse episódio de luta e dor passou a ser símbolo do enfrentamento ao sistema opressivo de classe e gênero. Na década de 1970, denominada pela ONU a década da Mulher, o dia 08 de Março passou a ser relacionado ao incêndio que ocorreu em Nova Iorque em 1911, passou a ser definido como o Dia Internacional da Mulher.
Na distante fumaça deste incêndio, o “8 de março” propugnado pela ONU teve, aos poucos, seu sentido político esvaziado. O temor das palavras socialismo e feminismo concorreram para esse esvaziamento.
Flores e bombons. Quem sabe sair para jantar fora, para não precisar lavar a louça? O mercado se compraz com as ‘homenagens’. As ditas ‘femininas’, nada feministas, se comprazem em promover comemorações que reproduzem principalmente a ideia de uma essência da ‘mulher’ e os estereótipos de gênero, causadores da concepção da inferioridade e superioridade entre as pessoas. Essas abordagens do “8 de Março” causariam inveja até as mais devotas sufragistas do início do século.
As mulheres trabalhadoras que viraram cinza, agora seguem como mera retórica. São somente imagens que se esvaem em um mundo que precisa inventar um passado, um presente e um futuro, sem luta de classe e sem enfrentamento ao machismo e ao sexismo. Dia de 09 de março a luta continua.


Texto escrito por Rosemeri Moreira - feminista, companheira da luta!

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