sexta-feira, 21 de novembro de 2014

VIOLÊNCIA DE GÊNERO NO AMBIENTE DOMÉSTICO

Kety C. De March

Ter um companheiro para a vida tornou-se uma obrigatoriedade social para a felicidade feminina. A plena realização de muitas mulheres foi construída em torno da capacidade das mesmas de adquirirem um marido. O medo era serem conhecidas pelo estigma de solteironas. Desde crianças essas mulheres foram educadas a serem boas esposas e melhores mães, a cuidarem com afinco dos afazeres domésticos e da alimentação familiar. Modelos de comportamento lhes foram ensinados também em relação ao espaço público, ao tipo de conversa que poderia ser empreendida e com quem poderiam conversar e, assim, eram escolhidas para elas também as companhias consideradas adequadas.  Ao corpo feminino foram impostas proibições: ele não poderia ser mostrado e deveria ser sempre atraente apenas ao marido. Essa atração era garantida a partir de padrões de beleza impostos pela mídia e pela sociedade de consumo.
Após o casamento, união estável, ou mesmo antes disso, nas relações amorosas construídas com homens em quem acreditavam poder confiar, muitas dessas mulheres passam a vivenciar experiências que em nada lhes lembram os contos de fadas que ouviam na infância em que príncipes as tomavam em seus braços e viviam felizes para sempre. O ambiente doméstico, pela privacidade que permite, muitas vezes se torna o espaço do pesadelo. Ali mulheres são submetidas às mais variadas formas de violência por parte de quem deveria ser seu companheiro. Muitas delas sofrem violência física, mas, por desconhecimento da lei, por medo de retaliações ou por considerar que não haja uma forma de proteção segura, permanecem no convívio com o agressor. Algumas delas não resistem às agressões sendo mortas pelo companheiro. Outras nem mesmo conseguem identificar que são vítimas de alguma forma de violência. São mulheres que cotidianamente são humilhadas pelos companheiros, obrigadas a manter relações sexuais e desprovidas de direitos sobre os bens do casal. Sofrem, portanto, violência psicológica, sexual e financeira.


Muitas delas são impedidas de exercerem uma profissão ou de concluírem seus estudos com o pretexto de que o companheiro não gostaria de vê-las nas ruas. Essas mulheres podem se tornar vítimas passivas das mais variadas formas de violência de companheiros ciumentos e inseguros. Não podemos nos calar diante dessa situação. Como sociedade, somos responsáveis pela formação desses homens violentos e mulheres que tem medo do abandono.
Os números dessa violência nem sempre refletem a realidade social, uma vez que grande parte das vítimas ou não reconhecem os atos do parceiro como uma violência que pode ser punida legalmente ou não denunciam por medo. Ainda assim os números a que temos acesso são alarmantes. Dados do IPEA nos mostram que cerca de 40% dos assassinatos de mulheres são cometidos por parceiros, enquanto apenas 6% dos homens são mortos pelas companheiras. As mulheres também podem cometer atos violentos, mas os casos são minoria diante da realidade vivida por elas como vítimas.
Em dez anos (entre 2001 e 2011) cerca de cinquenta mil feminicídios foram registrados no Brasil, sendo que em um terço deles os crimes foram cometidos no ambiente doméstico. As mulheres eram e continuam sendo mortas no local em que deveriam se sentir mais seguras. São agredidas em frente aos filhos e vizinhos. Mas ainda prevalece a máxima “Em briga de marido e mulher não se mete a colher”. Esse ditado popular funciona diretamente no acionamento do dispositivo privado do direito a violência que alguns homens acreditam possuir sobre o corpo da companheira.


Embora existam políticas governamentais e a alteração na legislação com a criação da Lei Maria da Penha, os índices de violência contra as mulheres continuam altos, o que nos mostra que precisamos de uma mudança que seja construída no seio social. Precisamos, como sociedade, nos conscientizar de que as mulheres não são sujeitos incapazes que devem ser disciplinados pela violência e que nada há de natural que separe homens e mulheres em relação às capacidades e aos direitos que possuem. Precisamos conhecer melhor a lei e aprender desde cedo que a violência não é normal, não é natural, não é aceitável em nenhuma circunstância. Precisamos também dar condições para que essas mulheres agredidas possam recomeçar suas vidas longe dos agressores e com dignidade. 

Texto produzido para a Campanha 16 dias de ativismo pelo fim da violência de gênero 2014 em Guarapuava -PR

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