Kety
C. De March
Ter um companheiro para
a vida tornou-se uma obrigatoriedade social para a felicidade feminina. A plena
realização de muitas mulheres foi construída em torno da capacidade das mesmas
de adquirirem um marido. O medo era serem conhecidas pelo estigma de solteironas.
Desde crianças essas mulheres foram educadas a serem boas esposas e melhores
mães, a cuidarem com afinco dos afazeres domésticos e da alimentação familiar.
Modelos de comportamento lhes foram ensinados também em relação ao espaço
público, ao tipo de conversa que poderia ser empreendida e com quem poderiam
conversar e, assim, eram escolhidas para elas também as companhias consideradas
adequadas. Ao corpo feminino foram
impostas proibições: ele não poderia ser mostrado e deveria ser sempre atraente
apenas ao marido. Essa atração era garantida a partir de padrões de beleza
impostos pela mídia e pela sociedade de consumo.
Após o casamento, união
estável, ou mesmo antes disso, nas relações amorosas construídas com homens em
quem acreditavam poder confiar, muitas dessas mulheres passam a vivenciar
experiências que em nada lhes lembram os contos de fadas que ouviam na infância
em que príncipes as tomavam em seus braços e viviam felizes para sempre. O
ambiente doméstico, pela privacidade que permite, muitas vezes se torna o
espaço do pesadelo. Ali mulheres são submetidas às mais variadas formas de
violência por parte de quem deveria ser seu companheiro. Muitas delas sofrem
violência física, mas, por desconhecimento da lei, por medo de retaliações ou
por considerar que não haja uma forma de proteção segura, permanecem no
convívio com o agressor. Algumas delas não resistem às agressões sendo mortas
pelo companheiro. Outras nem mesmo conseguem identificar que são vítimas de
alguma forma de violência. São mulheres que cotidianamente são humilhadas pelos
companheiros, obrigadas a manter relações sexuais e desprovidas de direitos
sobre os bens do casal. Sofrem, portanto, violência psicológica, sexual e
financeira.
Muitas delas são
impedidas de exercerem uma profissão ou de concluírem seus estudos com o
pretexto de que o companheiro não gostaria de vê-las nas ruas. Essas mulheres
podem se tornar vítimas passivas das mais variadas formas de violência de
companheiros ciumentos e inseguros. Não podemos nos calar diante dessa
situação. Como sociedade, somos responsáveis pela formação desses homens
violentos e mulheres que tem medo do abandono.
Os números dessa
violência nem sempre refletem a realidade social, uma vez que grande parte das
vítimas ou não reconhecem os atos do parceiro como uma violência que pode ser
punida legalmente ou não denunciam por medo. Ainda assim os números a que temos
acesso são alarmantes. Dados do IPEA nos mostram que cerca de 40% dos
assassinatos de mulheres são cometidos por parceiros, enquanto apenas 6% dos
homens são mortos pelas companheiras. As mulheres também podem cometer atos
violentos, mas os casos são minoria diante da realidade vivida por elas como
vítimas.
Em dez anos (entre 2001
e 2011) cerca de cinquenta mil feminicídios foram registrados no Brasil, sendo
que em um terço deles os crimes foram cometidos no ambiente doméstico. As
mulheres eram e continuam sendo mortas no local em que deveriam se sentir mais
seguras. São agredidas em frente aos filhos e vizinhos. Mas ainda prevalece a
máxima “Em briga de marido e mulher não se mete a colher”. Esse ditado popular funciona
diretamente no acionamento do dispositivo privado do direito a violência que
alguns homens acreditam possuir sobre o corpo da companheira.
Embora existam
políticas governamentais e a alteração na legislação com a criação da Lei Maria
da Penha, os índices de violência contra as mulheres continuam altos, o que nos
mostra que precisamos de uma mudança que seja construída no seio social. Precisamos,
como sociedade, nos conscientizar de que as mulheres não são sujeitos incapazes
que devem ser disciplinados pela violência e que nada há de natural que separe
homens e mulheres em relação às capacidades e aos direitos que possuem.
Precisamos conhecer melhor a lei e aprender desde cedo que a violência não é
normal, não é natural, não é aceitável em nenhuma circunstância. Precisamos
também dar condições para que essas mulheres agredidas possam recomeçar suas
vidas longe dos agressores e com dignidade.
Texto produzido para a Campanha 16 dias de ativismo pelo fim da violência de gênero 2014 em Guarapuava -PR
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